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Na sua generosa herança deixou-me o meu pai os seus genes. Uma mesa e um par de cadeiras robustas. Um casaco que pode atravessar o inverno sem me comprometer de frio. Deixou-me um especial sentido para olhar as coisas, escolher pares de botas e de lhes dar sebo para não molhar os pés quando chove. Legou-me uma particular maneira de ver a vida com persistência. Pude assim correr atrás do mundo e encontrar outros lugares por me ter dado uma espécie de inquietação que até há bem pouco tempo não sabia como usar. Mas agora sei. Clarifico-a em caldos de paciência e solidão. Sirvo-a quente aos amigos e digo piadas ordinárias que os fazem rir. Deixou-me o meu pai depois de morrer algumas coisas especiais. Ensinou-me a ensinar a fazer coisas poupando as palavras enquanto se conservam malaguetas em frascos de azeites. Nunca me deu conselhos, e por isso sempre fiz o que quis. Eis minha herança.

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