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Pôs no sítio das orelhas as orelhas de cão e chamou à sua presença o olhar cinzento do cão da casa. Sentou-se à altura dos olhos do cão e disse-lhe com gestos vírgulas e cedilhas no ar das palavras na língua de cão que ia partir e que lhe deixava toda a fortuna que tinha acumulada em cofres e baús espalhados pela casa. Disse-lhe tudo isto enquanto vestia a melhor roupa de sair, de forma serena, respirando entre palavras como se debitasse mel nas curvas das ideias. Falou-lhe para dentro das orelhas de cão e o cão muito atento pôs a cabeça de lado e entendeu tudo o que ouviu. Despediu-se de tudo que tinha pendurado nas paredes e mergulhou na água da sanita com a ajuda do pássaro vermelho de porcelana da China. No tubo que o havia de levar ao mar encontrou-se com o Lorca e fumaram um charuto na redondilha do fumo, que é uma espécie de poesia, que é uma espécie de poesia em forma de poesia de fumar. Perdeu-se num qualquer canto do mundo, é o que se sabe. Certo é que o cão e o pássaro vermelho de porcelana da China se tornaram donos de um bem sucedido negócio de vinhos e mercearias finas ao bom estilo inglês.

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