61 do botão do casaco


Espero-te aqui na casa do casaco do botão partido. Quando voltares ainda cá estarei, prometo. Se não estiver aqui onde agora me encontro repara por mim mais abaixo. Ali mesmo, antes do virar da esquina, perto da casa dos alizares castanhos. Apontava para uma espécie de inferno divertido enquanto cerzia um fio de conversa sem resposta na ponta de um dedo: ainda cá estarei quando voltares, (gritava), talvez não saia daqui encostada ao muro de cal. Aquela que ali estiver hei-de ser eu. Daqui não saio nem vou a lado nenhum que o tempo não me chega a tanto, fico a olhar o céu, está bem? Seguiam-se considerações meteorológicas que ponteavam a conversa e a devolviam à realidade para lá da razão. E eu todo ouvidos. E logo eu capaz de a entender no mínimo detalhe sobre o que me era proposto. Eu cheio de atenção. É capaz de chover lá mais para a tarde, lá mais para o fim do dia. Vamos, despacha-te! Continuava a desfiar palavras suas que me prendiam. O afecto que lhe tinha manifestava-se nos meus sapatos inquietos que raspavam o chão esperando uma ordem de partida num tom mais determinado ainda. Era por isso que ainda ali estava, impregnado. Espero que não te demores que a cal larga de si e suja a roupa toda. Espero-te aqui encostada à parede, vai, anda! Quando já tomava o meu caminho ao largo gritou-me por cima do ombro apanhando-me no ouvido, à vinda passa pelo jardim que ainda lá deve estar o homem das castanhas a aguar os olhos. Faz-lhe um aceno. Diz-lhe que amanhã, se o tempo abrir, haveremos de passear pelo jardim a ver as flores. E eu fazia um gesto de quem tudo entendera e em pé de ir ficava tipo a minha figura toda em redondo feliz, vermelho em volta, desligado das distracções que o mundo dava. O botão do casaco de preto cabedal de que ela falava era o último a contar de cima. Um meio botão de plástico que existia lá em baixo perto da braguilha das calças onde não fazia falta um botão de apertar. Eu quase nunca utilizava este botão de que ela falava.

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