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Vi nas pedras do chão da rua desvelar-se um desenho estendido no negrume. E segui-o como um fio. Era uma espécie de minhoca gráfica que se desenvolvia numa série interminável de monstros e outras aberrações. E foi através destes complexos enredos semelhantes a degenerescências biológicas que me deixei levar. Saltavam aos olhos, vorazes, horrendos, poéticos, sei lá. Aos olhos tinha-os cheios de comichões e lamentei agudamente cada grama de pó que entrou na festa da lágrima, mais parecia sessão no inferno que coisa deste mundo. As mãos, quentes de calor doentio, postas a coçar a cabeça a ponto de rebentar ao mínimo ruído, completavam o drama, mais umas pérolas de água e sal que afloravam na testa e outros sinais inerentes ao brotar da Primavera nos campos do meu país. Depois para o meio do dia o Sol que parecia ter vencido todas as suas preocupações instalou-se forte e contundente, e acordou-me de vez de um sonho que me derrubou da realidade. Fiquei a pensar em receitas antigas e arrastei-me até uma zona de sombra que já ali estava há muitos séculos sob o peso do futuro como se fosse uma pechincha de feira, recalcado a madrepérola e pegas douradas de latão. Aguardei para ver se passava. E passou.

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