60 e chove



Sabem que mais? Estou cheio de pressa. É isso mesmo, cheio de pressa. Nem tenho tempo para comer e só vesti meia manga do casaco e vou já sair daqui. (Ando a ver se encontro as chaves, a carteira e o boné para correr a voar daqui de um salto). Pois hoje é o dia em que vou voltar ao labirinto. Isso mesmo, ao labirinto. A bicharada espera-me lá ansiosa pelo meu regresso. Deixei-os apenas por alguns dias e parece que já andam a comer a cal das paredes. É tempo de regressar. Confesso que levei o espírito a vaguear a outras paragens, mas a borrasca é de tal ordem que me vejo aflito para andar enxuto, e por isso decidi regressar. Estou cheio de saudades dos meus clamorosos seres e terão eles minhas, certamente, que os trato bem. Quando lá chegar vou direito ao grande vermelho e faço-lhe uma daquelas festas no lombo que o gajo até revira os olhos de contente. Depois enrolado nas coisas que sempre têm para me dizer finto a realidade e faço um pão para o jantar. Hei-de senta-los à minha volta e com as mãos até que nos passe a fome haveremos de comer. Dão saltos de alegria, os meus bichos, quando me vêem chegar ao portão dos sonhos. Levo-lhes na sacola farelo doce e flores de jasmim, uma finíssima tinta de cor azul e um frasco de carbonato de chumbo que lhe dá aquele brilho mágico que o branco pode ter. E como brilham eles vistosos no escuro. Hoje vou voltar a mergulhar nas ruas delirantes do labirinto e talvez regresse de lá com um tapete tecido de histórias novas. Levo para mim café, gafanhotos de chocolate e mel da chuva. Fico uma semana, depois logo se vê.

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