42 (forty two)




Estou claramente em pé. Sobre os meus dois pés aguento-me sem cair. Os pés enfiados nos sapatos, meias, calças, cuecas, camisa e lenço de assoar. Estou de pé com isto tudo no corpo. Relógio que dá horas devagar e a respiração profunda e longa de quem se prepara para saltar sobre um precipício. Dou um passo em frente e outro passo atrás. Preparo-me para saltar, mas não salto já. Fico onde estou, de pé, aguento-me sem cair, sobre os meus dois pés. Os pés enfiados nos sapatos, meias, calças, cuecas, camisa e lenço de assoar e, também, um chapéu de feltro no topo da cabeça com uma pena de passarão. E no fim de tudo o meu nariz que como uma bússola aponta para ali, na direcção certa, à espera de saltar. É agora. Vou saltar. Mas não salto porque tenho muita roupa no corpo e os pés enfiados nos sapatos, meias, calças, cuecas, camisa e lenço de assoar.
Acabei por não saltar. Afinal não era um precipício, mas sim uma pequena vala coisa sem importância. Resolvi deitar-me a ver passar por mim um conjunto de turistas que se tinham deslocado propositadamente até ao fim do mundo para que me vissem deitar fora a vida dentro de uma vala sem grande dignidade. Ficaram chocados comigo e eu com eles. A vida, disse-lhes, é uma grande agência de viagens com roteiros estranhos e pensão completa. Sisudos, desapareceram, acho que alguém os enganou.

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