Forty (quarenta)



Há-de vir outro tempo em que me encontre mais colorido. Mas hoje não! Há-se de vir outro tempo parecido com este, (vou esperar pelo outro que virá semelhante). Mas hoje, ah! Não quero mexer-me mais. Caiu-me a noite repentina em cima e uma espécie de sonolência parece encontrar caminho através do meu corpo tomando conta de tudo. Não faço nada, disse sem bravura, aos retratos dos antepassados que me forram as paredes de casa logo depois de ter aberto a porta da entrada e de ter dado com a fotografia de um avô distante no tempo. Não faço mais nada hoje, disse-lhe, lamento. Logo dois deles saltaram das molduras onde repousavam há muito e do chão desataram a dizer impropérios que me eram dirigidos, coisas de quem só tem cabeça de retrato a preto e branco retocada a aguarela. Ignorei-os, mesmo quando me perseguiram pelo corredor enquanto tirava o chapéu e o casaco, e a pesada mochila do meu ofício. Parei num repente e coloquei o indicador direito no ar, com o cotovelo ligeiramente dobrado. Atenção, disse, enquanto eles pararam dentro da minha sombra atrás do meu passo, hoje não faço mais nada. E foi assim que me
transformei num confortável sofá, quando estalei os dedos e desapareci para um nível de existência diferente.

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